Comunicação em tempos de conflitos e polarizações

Nunca a comunicação foi tão onipresente, mas, ao mesmo tempo, jamais tivemos tantos problemas de comunicação. Afetadas pelo problema, como nossas igrejas locais podem trilhar um caminho de maturidade e sabedoria às vésperas de novas eleições? Conversamos sobre isso com o Rev. Marcos Camilo Santana, secretário de educação cristã da IPI do Brasil. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

 

Vivemos um tempo de polarizações (não somente políticas). Como isso afeta a comunicação dentro da igreja?

Acho importante falar da polarização social — que extrapola o campo político — essa polarização cria um ambiente propício para o reforço de identidades grupais e fechamento para o diálogo, um fenômeno amplamente estudado na Psicologia Social e na Teoria da Comunicação, por exemplo Manuel Castells (2009). Um conceito importante para compreender isso é o “espiral do silêncio”, desenvolvido por Elisabeth Noelle-Neumann em 1974. Onde ela propôs que, diante de opiniões percebidas como minoritárias, indivíduos tendem a silenciar suas vozes para evitar isolamento social e rejeição.

Na prática, dentro da igreja, esse fenômeno prejudica a comunicação saudável, porque gera medo de se expressar abertamente, causando fragmentação no Corpo de Cristo. Psicologicamente, isso ativa o “viés de confirmação” (Nickerson, 1998), no qual as pessoas buscam apenas informações que reforçam suas crenças, dificultando a reconciliação e o diálogo. Pensando teologicamente, a Escritura orienta o contrário. Paulo aos Efésios – 4:3 exorta à “unidade do Espírito pelo vínculo da paz”, e a Igreja é chamada a refletir a comunhão trinitária em sua diversidade. O desafio é cultivarmos uma comunicação que ultrapasse o medo, valorizando a humildade e a caridade.

 

As pessoas buscam apenas informações que reforçam suas crenças, dificultando a reconciliação e o diálogo.

 

O contexto que vivemos também é fruto de uma epidemia global que terminou recentemente. Como isso tem afetado os relacionamentos familiares?

Certamente, fomos transformados – a pandemia da Covid-19, desencadeou uma crise global que impactou fortemente os relacionamentos familiares. Sob a ótica da Psicologia, estamos sob os efeitos do estresse crônico, isolamento social e ansiedade generalizada, que influenciam nossa qualidade da comunicação e convivência no ambiente familiar segundo pesquisa: American Psychological Association, 2020.

Entendemos que o modelo sistêmico familiar enfatiza que as tensões individuais reverberam no sistema familiar, podendo intensificar conflitos ou, em casos positivos, fortalecer vínculos. Na Teoria da Comunicação, essa crise evidenciou a importância do diálogo aberto e da escuta empática para manter a coesão familiar em momentos de crise. Acho importante e sempre olhar para a Palavra de Deus -, o Salmo 34:18 afirma que “perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado”, nos lembrando que, mesmo em meio à dor, há consolo e esperança. As famílias que buscaram a Deus e cultivaram oração e apoio mútuo tendem a ter mais resiliência.

 

Tem se falado sobre a teoria do “espiral do silêncio”. Do que se trata isso e como tem atingido os relacionamentos conjugais?

Esse assunto me pegou esse semestre. A teoria do “espiral do silêncio”, foi proposta por Elisabeth Noelle-Neumann em 1974, onde ela sugere que indivíduos tendem a suprimir suas opiniões quando percebem que estão em minoria, devido ao medo de isolamento social. Esse fenômeno não ocorre apenas no âmbito social amplo, mas pode se manifestar dentro do casamento e nas relações eclesiásticas.

 

Indivíduos tendem a suprimir suas opiniões quando percebem que estão em minoria, devido ao medo de isolamento social.

 

Lembramos do relacionamento conjugal onde essa dinâmica é vista como uma forma de “evitação” emocional, onde o cônjuge “silencia” suas necessidades ou sentimentos para evitar conflitos ou rejeição teoria do psicólogo e pesquisador John Mordecai Gottman, (1994). Esse silêncio progressivo pode gerar um ciclo negativo de distanciamento emocional, ressentimento e má comunicação. Na perspectiva bíblica, Efésios 4:15 nos chama a falar “a verdade em amor”, evidenciando a importância da comunicação honesta e edificante no casamento. O rompimento da “espiral do silêncio” demanda coragem, empatia e um ambiente seguro para o diálogo.

 

A Palavra de Deus é notória em conselhos sobre o “uso da língua” (não faltam sermões sobre isso). No entanto, ainda sofremos muito os efeitos da falta de sabedoria no falar. Por que é tão difícil obedecermos a Deus nesta área?

“Falar a coisa certa na hora certa é um dom… eu, por exemplo, ainda tô esperando o manual de instrução da minha língua chegar pelo correio!”. Essa brincadeira aqui é para mostrar o desafio em controlar a língua que é profundamente enraizado na condição humana. Ethan Kross em 2014 conduziu um estudo que investigou o impacto da utilização do Facebook na regulação emocional – Os resultados mostraram que o uso passivo do Facebook estava associado a um declínio no bem-estar, entendemos que a linguagem é um reflexo das emoções e impulsos, muitas vezes reagimos antes de refletir, especialmente sob estresse. Em Tiago, no Novo Testamento, temos um capítulo inteiro para alertar sobre o poder destrutivo da língua (Tiago 3:5-12). A teoria cognitivo-comportamental explica que o hábito de falar impulsivamente pode ser modificado, mas exige esforço consciente, autoconhecimento e prática constante (Beck, 1976). Precisamos ter discernimento espiritual e lembrar que a sabedoria que transforma a fala vem do Espírito Santo, – Tiago 3:17, que a sabedoria “é primeiro pura, depois pacífica”.

O fato de ser difícil é justamente porque a língua é um instrumento que revela o coração (Lucas 6:45). A obediência a Deus no falar é, portanto, um processo de transformação interna, que vai além da mera disciplina verbal.

 

A obediência a Deus no falar é, portanto, um processo de transformação interna, que vai além da mera disciplina verbal.

 

Sua frente de trabalho na IPI do Brasil é na Secretaria de Educação Cristã. Como as lideranças das igrejas locais poderiam educar mais seus membros quanto à busca da unidade no Corpo de Cristo, a começar pela comunicação?

Estou num local abençoado pelo Senhor da Igreja com alegria e temor – assim pensamos que para educar nosso povo na busca da unidade, as lideranças precisam implementar uma pedagogia que combine ensino bíblico sólido com práticas comunicativas eficazes. Lembremos das palavras do apóstolo Paulo aos Efésios 4:15-16 onde ele apresenta a unidade como crescimento em Cristo através da verdade e amor. Acho válido trazer aqui a teoria da comunicação proposta por Marshall Rosenberg (1999), que nos obrigado pensar na importância da comunicação não violenta que promove empatia e escuta ativa. Somos convocados a formar ambientes seguros para o diálogo e aumentar a confiança e a disposição para resolver conflitos. Penso que precisamos desenvolver Programas de treinamento em habilidades comunicativas, oficinas de escuta e mediação de conflitos, aliadas a pregações que enfatizem o mandamento do amor (João 13:34), fortalecem a unidade.

 

Em 2026 teremos novas eleições gerais. Como o crente deve lidar com as discussões políticas à luz das Escrituras?

Em uma antiga vila, havia dois grandes rios que corriam lado a lado: o Rio da Paixão e o Rio da Sabedoria. Muitas vezes, os habitantes se deixavam levar pelas águas turbulentas do Rio da Paixão — com suas correntezas fortes e tempestades — que os levava a confrontos, brigas e divisão. Um velho sábio, porém, ensinava que o verdadeiro caminho não era se jogar nas águas revoltas, mas construir uma ponte firme, feita com as tábuas da Justiça, da Misericórdia e da Humildade — pilares que ninguém pode destruir. Essa ponte permitia que as pessoas cruzassem de um lado ao outro, dialogassem e chegassem a entendimentos, mesmo com opiniões diferentes. Assim, o crente é chamado a ser construtor dessa ponte, guiado pela luz das Escrituras (Miquéias 6:8), não se deixando arrastar pela correnteza da polarização, mas promovendo a paz e a justiça em meio às discussões políticas.

 

O crente é chamado a ser construtor de pontes, guiado pela luz das Escrituras (Miquéias 6:8), não se deixando arrastar pela correnteza da polarização, mas promovendo a paz e a justiça em meio às discussões políticas.

 

Certamente as eleições tendem a intensificar paixões e divisões. O cristão é chamado a agir com sabedoria e equilíbrio, conforme Romanos 13, que exorta ao respeito pelas autoridades constituídas, e Miquéias 6:8, que destaca o agir com justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus.

Nossa Teologia Reformada enfatiza o papel do cristão como cidadão responsável, que influencia a sociedade sem perder sua identidade espiritual.

 

Pensando nas dinâmicas das igrejas locais, é comum vermos pastores se dedicando intensamente na realização de eventos cada vez maiores. Para você, quais os maiores desafios de um pastor de igreja local atualmente?

O desafio proposto por Cristo! Amar e mostrar que somos amados pelas nossas relações. Aqui temos a pauta do silêncio. Desistências. E abandonos.

Antes de falar sobre eventos ou estruturas, é preciso reafirmar que devemos amar a família da fé que Deus nos confiou — não como resultado de nossa escolha, mas da soberania dEle que nos plantou num corpo específico. Em Gálatas 6:10, Paulo nos orienta: “Façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”. Essa família é um presente e um desafio: nela somos transformados e por ela devemos zelar.

O pastor não é apenas um organizador de atividades, mas um guardador da vinha que lhe foi confiada por Deus. Como ensina Jeremias 17:8, “Bendito o homem que confia no Senhor […] será como árvore plantada junto às águas”. A árvore não muda de lugar — ela floresce onde foi plantada. Dar fruto onde estamos é parte da fidelidade à vocação pastoral.

Em João 15:16, Jesus diz: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça”. Esse chamado é mais do que uma função: é uma missão de gerar vida onde há rotina, maturidade onde há dispersão, e unidade onde há fragmentação. É importante deixar claro que esse zelo não é defesa de emprego, sistema ou grupinho eclesiástico, mas cuidado com aquilo que Deus colocou sob nossa responsabilidade. O rebanho é dEle, não nosso — mas somos chamados a cuidar como mordomos fiéis. E sabemos, à luz da própria criação, que ovelha é quem gera ovelha. O pastor alimenta, conduz, protege — mas é a comunidade viva que, pelo Espírito, se multiplica.

Desafios pastorais hoje:

  1. A pressão por resultados visíveis (eventos, números, engajamento) que pode sufocar a missão discipular de um povo que se multiplica e anda solto.
  2. O esgotamento emocional — pastores adoecem tentando “fazer tudo”, quando o ministério deveria ser partilhado.
  3. A perda da dimensão relacional e do pastoreio de almas, trocada por uma gestão de agendas.
  4. A comparação com “igrejas de performance”, que cria ansiedade e desvalorização do pastoreio fiel e silencioso.

Dizem que havia um jardineiro que, ao ver o vizinho colhendo flores raras e exóticas, abandonou seu próprio jardim e passou a plantar o que via nos outros quintais. Mas seu solo não respondia. Frustrado, voltou ao início e redescobriu que cada solo pede cuidado específico, e que a beleza verdadeira nasce do cultivo fiel, não da imitação. Assim é o ministério pastoral: somos chamados a cultivar o campo onde Deus nos plantou, com fidelidade, não com espetáculo. E os frutos — aqueles que permanecem — são gerados quando há raiz profunda no evangelho e cuidado real pelas pessoas.

 

Assim é o ministério pastoral: somos chamados a cultivar o campo onde Deus nos plantou, com fidelidade, não com espetáculo.

 

Há casos de famílias que saem de igrejas por conta de conflitos interpessoais. O que você acha deste tipo de decisão? Como perseverar em uma comunidade em conflito?

Embora a saída de uma comunidade possa ser compreensível diante de conflitos severos, a perseverança é ensinada como um valor bíblico (Romanos 12:18; Colossenses 3:13). Palavra da moda: a resiliência emocional e a capacidade de perdoar são habilidades que fortalecem a permanência. Precisamos lembrar disso.

A comunicação assertiva, a mediação e o exercício do perdão são fundamentais para superar as tensões. A Igreja é chamada a refletir a graça de Cristo, acolhendo falhas e promovendo restauração. Líderes devem trabalhar para criar ambientes seguros, onde o diálogo e o cuidado pastoral estejam presentes.

 

Pensando na IPI do Brasil como uma denominação nacional, diversificada e em crescimento.  Temos uma bonita história de 122 anos, mas também vemos florescer modelos mais atuais de liderar as igrejas locais. Como conciliar o passado e o presente para que possamos construir um futuro maduro em nossas comunidades?

Eclesiastes 7:10 nos adverte com sabedoria: “Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim”. Isso nos chama à maturidade espiritual e histórica. O passado é precioso — mas não é um altar; é raiz. O presente é campo de semeadura. E o futuro, terra de esperança.

 

O passado é precioso — mas não é um altar; é raiz. O presente é campo de semeadura. E o futuro, terra de esperança.

 

Pela misericórdia de Deus como Pastor desta linda igreja, creio que uma forma saudável de lidar com a história da igreja é com gratidão pelo legado, coragem para discernir o presente e fé para construir o futuro. O legado da IPI do Brasil é uma herança de fidelidade, missão e formação. Não somos uma igreja que surgiu por acaso, mas por um mover gracioso de Deus na história. Nessa tensão criativa entre o legado e a inovação, precisamos lembrar de três vozes cristãs “proféticas” e contemporâneas para auxílio.

Jesus mesmo nos chama a entender os “sinais dos tempos” (Mateus 16:3), o que exige discernimento espiritual, humildade institucional e abertura ao Espírito Santo, que sopra onde quer — sem desprezar a tradição, mas também sem se prender ao medo da mudança. Penso que é preciso construir um futuro maduro por três estruturas e atitudes:

  • Olhar para o passado com gratidão, reconhecendo os fundamentos lançados com oração e sacrifício.
  • Viver o presente com intencionalidade e semeadura, investindo nas pessoas, na Palavra, e na vida comunitária real.
  • Sonhar o futuro com esperança, não como cópia de modelos importados, mas com discernimento contextual, sabedoria bíblica e fidelidade à missão.

Conciliar tradição e inovação é um exercício de sabedoria e humildade. O apóstolo Paulo exorta em 1 Tessalonicenses 5:21 a “reter o que é bom”. A teologia reformada nos lembra que a Palavra de Deus é imutável, mas as formas de comunicação e organização podem se adaptar às necessidades contemporâneas.

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INDICAÇÕES DE FILMES E LIVROS

Filmes

– “Crash – No Limite” (2004): aborda polarizações sociais e o impacto dos preconceitos na comunicação interpessoal, pode trazer uma ideia disso que estamos falando.

“Histórias Cruzadas” (2011): mostra as complexidades das relações humanas e familiares em contextos difíceis.

“Antes do Amanhecer” (1995), que ilustra o poder da comunicação genuína e abertura emocional em relacionamentos.

“O Homem que Mudou o Jogo” (2011): mostra como inovação e pensamento crítico podem transformar realidades estabelecidas, uma lição para o engajamento político consciente.

“O Milagre na Cela 7” (2019), que mostra que os verdadeiros milagres e frutos acontecem no cuidado humilde e cotidiano, não nos grandes palcos.

Livros

– Sobre escuta empática: “Pragmática da Comunicação Humana”, de Watzlawick, Beavin & Jackson, 1968.

“O Evangelho numa Sociedade Pluralista”, de Lesslie Newbigin. Este livro afirma que cada geração precisa redescobrir como viver e comunicar o evangelho em seu próprio tempo, mantendo a verdade revelada, mas com linguagem e sensibilidade contextual. Para ele, a missão da igreja é sempre encarnacional — presente no mundo sem ser do mundo.

“O Discípulo Radical” e “Cristianismo Equilibrado”, ambos de John Stott. O autor insiste que o discípulo e a igreja devem ser bíblicos e culturalmente engajados, mantendo firmeza doutrinária e flexibilidade missionária. Ele nos lembra que a igreja precisa ser uma ponte entre a verdade eterna e o mundo em constante mudança.

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Rev. Marcos Camilo Santana

Secretário de Educação Cristã da IPI do Brasil e Ouvidor da FATIPI.

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