Vivemos tempos desafiadores. Nossa sociedade encontra-se profundamente dividida por disputas ideológicas que parecem não ter fim. De um lado, vozes da esquerda; de outro, da direita. Aqui, posicionamentos liberais; ali, conservadores. Entre nós, tensões entre visões fundamentalistas e progressistas. E, em meio a esse turbilhão de ideias conflitantes, somos chamados a ser Igreja de Cristo – não apenas mais uma instituição social, mas corpo vivo do Senhor neste mundo.
O apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, nos exorta: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12.2). Esta palavra, tão conhecida entre nós, ganha contornos ainda mais urgentes quando contemplamos o cenário atual. O que significa, verdadeiramente, não se conformar com este mundo em uma época de polarizações extremas?
Quando permitimos que ideologias humanas – sejam elas quais forem – determinem nossa identidade e missão como igreja, estamos nos conformando com os padrões deste mundo.
Quando nos definimos primariamente como “conservadores” ou “progressistas”, antes de nos reconhecermos como discípulos de Cristo, estamos em perigo de perder nossa essência.
A igreja não é chamada a ser um partido político, um movimento social ou uma agremiação ideológica. Somos chamados a ser o povo de Deus, guiado pelo Espírito Santo.
A renovação da mente, mencionada por Paulo, não acontece pela adesão a sistemas de pensamento humanos, por mais sofisticados ou bem-intencionados que sejam. A verdadeira renovação ocorre quando nos abrimos à ação transformadora do Espírito Santo, que nos conduz a toda a verdade (Jo 16.13). É Ele quem nos capacita a enxergar além das categorias limitadas do pensamento humano, revelando-nos a sabedoria de Deus, que transcende as polarizações de nossa época.
Uma igreja guiada pelo Espírito não se define por rótulos políticos ou sociais. Ela se caracteriza por frutos espirituais: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gl 5.22-23).
Estes frutos manifestam-se em relacionamentos marcados pela graça, em uma comunidade que acolhe o diferente sem renunciar à verdade, que busca a justiça sem perder a misericórdia, que proclama a santidade sem abandonar a compaixão.
Nossa tradição reformada nos ensina que a Palavra de Deus é a autoridade suprema para a fé e prática. Não podemos substitui-la por ideologias contemporâneas, sejam elas de direita ou de esquerda.
Ao mesmo tempo, a mesma tradição nos lembra que somos sempre reformados e sempre em reforma (“ecclesia reformata, semper reformanda“), conforme a Palavra de Deus. Isso significa que devemos estar abertos à correção e ao aperfeiçoamento contínuo de nossa compreensão e prática da fé.
Como IPI do Brasil, somos herdeiros de um rico legado teológico e espiritual. Nossos pais na fé nos ensinaram a valorizar tanto a ortodoxia quanto a ortopraxia – a sã doutrina e a prática coerente com ela.
Eles nos mostraram que o evangelho tem implicações para todas as áreas da vida, incluindo a dimensão social e política. Contudo, jamais confundiram o Reino de Deus com qualquer projeto humano de sociedade.
Queridos irmãos e irmãs, em tempos de acirradas disputas ideológicas, sejamos uma comunidade que testemunha a diferença que o Espírito Santo faz. Que nossas igrejas locais sejam espaços onde pessoas de diferentes backgrounds políticos e sociais possam se encontrar aos pés da cruz, reconhecendo que o que nos une em Cristo é infinitamente mais forte do que aquilo que nos separa em termos de opiniões humanas.
Não sejamos conhecidos primariamente por nossas posições políticas, mas pelo amor que demonstramos uns pelos outros e pelo mundo. Que nossa identidade seja definida não por ideologias passageiras, mas pela fidelidade ao evangelho eterno. Que nossas ações sejam motivadas não pelo desejo de poder ou influência, mas pelo anseio de servir como Cristo serviu.
Que o Espírito Santo, que habita em nós como indivíduos e como comunidade, nos guie em toda a verdade, nos capacite para o serviço e nos transforme à imagem de Cristo. Somente assim seremos verdadeiramente uma igreja guiada pelo Espírito – sal da terra e luz do mundo em tempos de escuridão e divisão.
Na graça e no amor de Cristo,