Relacionar a Teologia reformada com grandes temas contemporâneos é um dos imperativos para a relevância e atualização do fazer teológico. E isso foi possível ver no segundo dia (21/10/2025) do 3° Congresso Internacional de Teologia da Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (FATIPI). As Ciências Sociais, o holocausto, a teologia pública, a cultura, as perspectivas epistemológicas e o futuro da Teologia foram os assuntos abordados, respectivamente, pelos professores Valdinei Ferreira, André Yuri Abijaudi, Julio Zabatiero, Sérgio Dusilek, Regina Sanches e Eber Ferreira.
ÊNFASES
Valdinei enfatizou as possíveis combinações entre a Teologia e as Ciências Sociais, entre elas, entender o lugar da religião na sociedade. André Yuri Abijaudi levou os participantes a refletirem sobre as origens históricas e teológicas do genocídio promovido pelo regime nazista. Baseado em Mc. 8.34-9,1, Julio Zabatieiro abordou a participação pública da igreja evangélica atualmente e questionou se essa participação segue os valores do reino de Deus. Desenvolvendo o que ele chamou de “isotopia espaçotemporal” e “isotopia teológico-pública”, Júlio enfatizou aspectos que se encontram no diálogo de Cristo com seus discípulos.
Sérgio Dusilek afirmou que a relação entre teologia e cultura é inseparável. Para ele, a cultura não é inimiga da fé, mas o ambiente por meio do qual Deus se comunica. Já Regina Sanches discutiu as teologias do Sul Global, enfatizando a necessidade de uma abordagem crítica e contextualizada que reconheça a diversidade de saberes e experiências na construção do conhecimento teológico. Eber Ferreira, por sua vez, questionou qual será o futuro da própria Teologia e elencou momentos históricos em que ela ficou “por um fio”, como no Brasil nas décadas de 40 e 50. Falou ainda de como a Teologia sobreviveu aos ataques dos que a queriam morta e enterrada.
RESUMO
A seguir, você pode ler um resumo do conteúdo apresentado em cada oficina.
– Teologia e as ciências Sociais (Valdinei Ferreira)

A oficina de Valdinei Ferreira enfatizou a importância da Ciências Sociais para os cristãos, especialmente teólogos e pastores. A ideia foi mostrar quais são as combinações possíveis entre Ciências Sociais e teologia, quando elas aparecem juntas e o que se pretende em cada caso. Segundo ele, as Ciências Sociais contribuem para: 1) entender o lugar da religião na sociedade; 2) entender o papel da fé no bem-estar físico e mental das pessoas; 3) o engajamento na teologia pública; 4) a leitura da história do cristianismo; 5) na exegese dos textos bíblicos.
As Ciências Sociais oferecem ferramentas importantes para compreensão do lugar da religião na sociedade moderna.
“As Ciências Sociais oferecem ferramentas importantes para compreensão do lugar da religião na sociedade moderna, do lugar da fé na vida das pessoas, para engajamento de pessoas religiosas e suas instituições em causas sociais, para o entendimento das dinâmicas de crescimento ou declínio da igreja ao longo da história e para compreensão de aspectos da vida social que estão presentes nos textos bíblicos”, explica ele.
– Teologia e o Holocausto (André Yuri Abijaudi)

A oficina de André Yuri Abijaudi levou os participantes a refletirem sobre as origens históricas e teológicas do genocídio promovido pelo regime nazista. “O Holocausto foi um programa sistemático de extermínio étnico, patrocinado pelo Estado Nazista, liderado por Adolf Hitler”, explicou o palestrante. “Além dos seis milhões de judeus assassinados, o nazismo também perseguiu ciganos, comunistas, homossexuais e pessoas com deficiência”. Ele destacou que o genocídio foi construído gradualmente, com leis que desumanizavam os judeus — como a Lei de Nuremberg (1935) —, e com a criação de campos de concentração e extermínio.
Ao traçar o contexto político e religioso da época, lembrou que a crise após a Primeira Guerra Mundial e o ressentimento com a República de Weimar prepararam terreno para a ascensão de Hitler. “As igrejas, tanto protestantes quanto católicas, nunca digeriram de forma positiva o Estado laico. A Igreja cristã permaneceu antidemocrática e antipacifista”, observou.
O palestrante apresentou a crítica do teólogo Paul Tillich, que via o nazismo como uma forma de idolatria política. “Aquilo que é finito, mas recebe um caráter infinito, se torna Deus. No nacionalismo religioso, a nação se torna o deus desse povo”. Ele também lembrou que o regime tentou unificar as igrejas protestantes em uma “Igreja Nacional do Reich” e firmou uma concordata com a Igreja Católica, buscando legitimar o poder por meio da religião.
Aquilo que é finito, mas recebe um caráter infinito, se torna Deus.
Encerrando a oficina, alertou para os riscos da manipulação da fé: “O caso do nazismo mostra como a religião pode ser usada para legitimar regimes totalitários. A teologia deve permanecer vigilante diante de toda forma de idolatria política”.
– Teologia Pública – A Mensagem Pública da Igreja: O Reino de Deus (Julio Zabatiero)
Baseado em Mc 8.34-9,1, Julio Zabatiero abordou a participação pública da igreja evangélica atualmente. “A participação na vida pública tornou-se uma das práticas mais frequentes das igrejas e denominações evangélicas. Esta nova relevância faz parte do crescimento numérico acelerado das igrejas e sua busca por reconhecimento social. A pergunta a ser feita é: a participação segue os valores do Reino de Deus?”, diz ele.

Desenvolvendo o que ele chamou de “isotopia espaçotemporal” e “isotopia teológico-pública”, Julio enfatizou aspectos que se encontram neste diálogo de Cristo com seus discípulos:
- O presente é o tempo que determina a vida neste mundo inteiro, enquanto o futuro é apresentado como um movimento (até que tenham visto o reino de Deus ter chegado poderosamente).
- A chegada poderosa do Filho do Homem e do Reino de Deus já aconteceu: a crucificação de Jesus é a demonstração do poder de Deus em sua essência: o poder de dar a vida para criar um futuro alternativo.
- Tornar-se discípulo de Jesus significa fazer uma escolha radical: deixar de viver de acordo com os padrões do xrónos (do tempo quantitativo deste mundo) e passar a viver de acordo com os padrões do kairós (tempo qualitativo, futuro) do Reino de Deus.
- Confronto entre o modo de viver dos valores imperiais e o modo de viver dos valores messiânicos do Reino de Deus.
- As três condições do discipulado de Jesus: negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, siga-me.
A crucificação de Jesus é a demonstração do poder de Deus em sua essência: o poder de dar a vida para criar um futuro alternativo.
Quanto aos desafios que Jesus apresenta relacionados à vida pública sob o poder do Reino de Deus, o professor listou:
- Renunciar ao lucro mundano e aceitar o prejuízo messiânico.
- Subordinar as ideologias e os projetos político-econômicos à generosidade e solidariedade do Reino de Deus.
- Substituir o desejo infinito de dinheiro, poder e prestígio pelo desejo messiânico de seguir o estilo de vida de Jesus.
- Discernir o Reino de Deus, jamais confundi-lo com os reinos do tempo presente.
– Teologia e Cultura (Sérgio Dusilek)
Sérgio Dusilek iniciou sua fala destacando que “teologia é um fazimento”. Ele explicou: “Nós é que fazemos teologia. Deus não faz teologia. Somos nós que fazemos.” A partir da narrativa bíblica das tábuas da lei, mostrou como esse “fazimento” humano carrega fragilidade e limitação: “A teologia precisa ser escrita a lápis”.

Para ele, a relação entre teologia e cultura é inseparável: a cultura não é inimiga da fé, mas o ambiente por meio do qual Deus se comunica. “Deus se revela mediado pela história, pela linguagem e pela cultura. Se Deus se mostrasse como Ele é, não entenderíamos nada. Por isso, Ele se revela pela humildade”, explicou.
Referindo-se a pensadores como Paul Tillich, Terry Eagleton e Erich Auerbach, o palestrante afirmou que toda revelação acontece dentro de uma cultura — e, portanto, toda leitura da Bíblia é também um ato interpretativo situado. Sobre os personagens bíblicos, afirmou que a imperfeição deles é o espaço onde a ação de Deus se manifesta: “Os heróis da Bíblia são anti-heróis, e é neles que vemos Deus agir”.
A cultura não é inimiga da fé, mas o ambiente por meio do qual Deus se comunica.
Encerrando a oficina, o palestrante destacou que a teologia precisa dialogar com o tempo presente e reinterpretar tradições quando necessário. Foi um convite à reflexão sobre a tarefa teológica como um ato de escuta e discernimento: um trabalho humano, histórico e espiritual que busca compreender como Deus continua a se revelar no meio da cultura e da vida.
– Insurgências Teológicas Contemporâneas: Perspectivas Epistemológicas do Sul Global (Regina Sanches)

Regina Sanches discutiu as teologias do Sul Global, enfatizando a importância de abordagens críticas e contextualizadas na teologia. As teologias do Sul Global refletem sobre Deus em relação a contextos históricos e sociais, reconhecendo a diversidade de saberes. A prática teológica varia conforme as culturas, sendo essencial que cada teologia seja validada em seu próprio contexto. Portanto, a crítica é fundamental para a evolução teológica, promovendo discernimento e renovação, e a história da teologia é marcada por debates que impulsionam seu desenvolvimento.
A história da teologia é marcada por debates que impulsionam seu desenvolvimento.
Regina destacou ainda que a colonização impactou a teologia, e a descolonização é necessária para a autonomia teológica, superando influências coloniais e validando saberes locais. Segundo ela, teologias latino-americanas e africanas emergem como respostas descoloniais, buscando libertação de dependências coloniais.
Falando sobre a educação teológica e epistemologias, Regina defendeu que a educação teológica deve ser descolonizada, incluindo saberes locais e refletindo a diversidade cultural. Ela criticou a epistemologia eurocêntrica por desconsiderar saberes não eurocêntricos, e a luta por reconhecimento de diferentes formas de conhecimento é essencial para a descolonização. Ela exemplificou como a colonização restringiu a conexão profunda da cultura com a espiritualidade dos povos originários. O conceito de “epistemicídio”, explica, refere-se à invalidação dos saberes não eurocêntricos, e as resistências culturais promovem a preservação de saberes ancestrais.
Concluindo, Regina afirmou que a teologia deve ser uma reflexão crítica, aberta ao diálogo e à diversidade, reconhecendo a importância das experiências locais. Nesse sentido, as teologias contextuais priorizam a realidade socioeconômica e a escuta de saberes ancestrais, contribuindo para uma prática teológica contemporânea.
– O Futuro da Teologia: um olhar a partir da História (Eber Ferreira)

Para Eber Ferreira, todos os cristãos evangélicos têm algo a dizer sobre a consumação dos tempos, a volta de Cristo e a instalação do Reino de Deus. Porém, o que temos a dizer quando a pergunta feita diz respeito a uma escatologia da própria teologia? Mesmo tendo o futuro como foco, Eber valoriza o passado como a busca de situações e processos que mostrem como a teologia, os teólogos, os pastores conscientes de sua tarefa teológica no âmbito da igreja reagiram a tempos de crise, de aflições e de perplexidades.
Eber conclui que o futuro da teologia no Brasil continua sendo enfrentar a ignorância e o preconceito, colocados na mente e no coração dos fiéis pelo discurso extremo do fundamentalismo. Para ele, este futuro se vê ameaçado pelo fundamentalismo e enfatiza que temos um momento que guarda paralelos com as crises anteriores vividas desse confronto não terminado.
O futuro da teologia no Brasil continua sendo enfrentar a ignorância e o preconceito.
O professor exorta que a IPI sempre recusou os extremos. “Não pode tolerá-lo por amor ao equilíbrio e bom senso evangélicos e às suas raízes históricas. Creio que outras denominações têm feito suas escolhas ao longo de suas trajetórias. A IPI fez sua escolha. Há que afirmá-la hoje”.
FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
Valdinei Ferreira
Graduado em teologia pelo Seminário Teológico Antonio de Godoy Sobrinho e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atuação acadêmica nos campos da sociologia da religião e ciência política com destaque para o tema evangélicos e política no Brasil. Além da produção acadêmica, atua no debate público escrevendo semanalmente artigos para o Jornal Folha de São Paulo sobre política, religião e democracia.
André Yuri Abijaudi
Doutor e Mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Bacharel em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo. É autor do livro Religião e Nazismo publicado pela Editora Recriar. Atualmente é pastor da Igreja Metodista e Editor da Editora Recriar. Além disso, é membro da Sociedade Paul Tillich do Brasil.
Julio Zabatiero
Possui graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, mestrado e doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia. Sua especialidade primária é a epistemologia da Exegese bíblica e da Teologia cristã. Seus interesses atuais são: a teologia paulina (publicou o primeiro de vários volumes dessa obra: comentários, volumes temáticos de teologia, volumes epistêmicos); a teologia pública em perspectiva reformada evangélica; a epistemologia exegética e teológica e a teologia do Pentateuco.
Sérgio Dusilek
Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela UFJF/MG. Graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário UNA e em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. É pós-graduado em História da Filosofia pela Universidade Gama Filho. Atua como docente nos Cursos de Teologia do STBC – Seminário Teológico Batista Carioca. Atualmente realiza estágio de Pós-Doutorado pelo PPG de Letras da UEMS. Pastor na Igreja Batista Marapendi. Casado com Liliana e pai da Letícia.
Regina Sanches
Mestre em Teologia e Práxis, Mestre em Missiologia, Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena, Especialista em Direito Educacional e Gestão de Instituições Educacionais. Graduada em Teologia e Licenciada em História. Docente da Faculdade IPEMIG, Vice-presidente da FTL Continental, Diretora da Editora Saber Criativo e Avaliadora do SINAES para cursos de Teologia. Autora das obras Introdução às Teologias Latino-americanas, (SIS) Temáticas Teológicas, Teologia Viva e outras.
Eber Ferreira
Possui Curso Livre de Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, graduação (licenciatura e bacharelado) em História pela Universidade Estadual de Londrina, mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e doutorado em História pela Universidade Estadual Paulista. É o curador do Museu e Arquivo Histórico “Rev. Vicente Themudo Lessa” da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.
Texto: Sheila Amorim e Lissânder Dias







