Fui convidada a levar uma palavra sobre o tema: “Inverno: não deixar o amor de Cristo se esfriar, esquentando os corações”. Confesso que, ao me sentar para preparar essa mensagem, algo me inquietou: quem sou eu, pecadora que fui, justificada pela graça, para garantir que posso, pela minha força, manter aceso algo que é maior do que eu mesma?
Cristo é vida! Ele é a própria vitalidade que nos sustenta. Se Ele é o fôlego em meus pulmões, como poderia depender de mim manter o amor dEle aquecido? Se dependesse unicamente de mim, certamente eu acabaria indo na direção oposta: caminharia para a morte, não para a vida.
Andam dizendo por aí que o chamado do evangelho à vida está na autossatisfação, na auto-gratificação, em alcançar os próprios sonhos e ideais terrenos. É como se Deus tivesse encarnado – não em um corpo humano, passando por todas as privações da nossa pequena existência para que fizéssemos parte da história dEle – mas sim em uma lâmpada, daquelas em que os gênios têm como obrigação realizar nossos desejos, sendo, na verdade, apenas coadjuvantes do nosso enredo. Esse mordomo – que facilmente manipulamos e convencemos com nossos mantras “Eu quero, eu posso e eu consigo” – poderia até ser dispensável, mas acaba se tornando parte do degrau para a negação da nossa finitude.
Esse tipo de evangelho triunfalista, cada vez mais popular nas redes sociais, propagado por influenciadores e pastores coaches, é centrado na satisfação dos desejos pessoais. Ele produz discípulos frágeis, incapazes de lidar com o sofrimento e que, muitas vezes, se afastam quando percebem que Deus não é servo dos nossos caprichos, mas Senhor das nossas vidas.
Há um equívoco ao ignorarmos o maravilhoso paradoxo do evangelho de Jesus: o chamado à vida implica em morte! Somos, todos os dias, convidados a reproduzir o comportamento de quem seguimos, de forma consciente ou inconsciente. Basta observar o comportamento dos influencers digitais e como, rapidamente, se espalha suas formas de falar e de consumir. Isso porque seus seguidores querem ser como eles e querem reproduzir o que eles fazem. Mas o que Jesus ordenou aos seus seguidores?
“Então, Jesus disse aos seus discípulos:― Se alguém quiser vir após mim, negue‑se a si mesmo, tome a sua cruz e siga‑me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a própria vida por minha causa a encontrará” (Mt 16.24-25 – NVI).
O que é a cruz, se não um chamado a morte?
O apóstolo Paulo, escrevendo aos efésios (Ef 2.1), diz que todos estavam mortos em seus delitos e pecados, mas Cristo trouxe a vida. Então, a verdade profunda do evangelho é: a vida sem Cristo é uma morte em vida. O paradoxo do evangelho revela uma verdade contracultural: aquilo que parece morte, Deus converte em vida abundante. É nessa contraposição (morrer para viver, perder para ganhar) que o evangelho confronta a lógica deste mundo. Somos chamados, não a buscar grandeza aos olhos humanos, mas a viver para Deus, ainda que isso signifique renúncia, sacrifício ou até rejeição.
Moltmann3 diz que o conflito entre espírito e carne mostra que estamos em transição: Deus já começou a transformar tudo. Esse conflito interno que sentimos (em nós, seres humanos) é um pequeno reflexo ou a “ponta” de algo muito maior que está acontecendo em toda a criação: o mundo atual está passando, e Deus está trazendo uma nova criação. Com a ressurreição de Cristo, Deus já começou a transformar todas as coisas. Estamos agora não apenas presenciando Deus criando, mas também sendo chamados à vida e a fazer parte dessa mudança. Mesmo cercados de dores, já provamos a alegria do Espírito; mesmo enfrentando lutas internas, já experimentamos a paz que excede o entendimento.
O chamado do evangelho não é para satisfazer desejos egoístas, mas para uma vida (em abundância) verdadeira quando morremos para nós mesmos, que só é possível em Cristo. O evangelho não nos convida a sermos heróis da nossa própria história, mas testemunhas da história de Deus, que transforma morte em vida, vergonha em graça e limitações em oportunidades para revelar Seu amor. Seguir a Cristo é, acima de tudo, reconhecer que nossa vida faz sentido, não quando realizamos todos os nossos sonhos, mas quando nos tornamos parte do que Deus está fazendo no mundo.
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3 MOLTMANN, Jürgen. O Espírito da vida: uma pneumatologia integral. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 90.







