Legado de amor e liderança

Com o tema “Eu amo a IPI do Brasil”, a edição de fevereiro de O Estandarte traz uma entrevista especial com o Rev. Leontino Farias dos Santos, que encerrou...

 

A trajetória do Rev. Leontino na IPI do Brasil

Com o tema “Eu amo a IPI do Brasil”, a edição de fevereiro de O Estandarte traz uma entrevista especial com o Rev. Leontino Farias dos Santos, que encerrou recentemente suas atividades na FATIPI após 46 anos dedicados à educação teológica da IPI do Brasil. 

Ex-presidente da Assembleia Geral da IPI do Brasil, ele reflete sobre sua trajetória de amor e serviço à igreja, compartilhando experiências que unem ministério pastoral, ensino e projetos inovadores. 

Inspirado por uma visão de fé transformadora, o Rev. Leontino deixa um legado que continua a impactar gerações e a fortalecer a missão da nossa igreja.

 

O que significa para o senhor, que dedicou décadas à IPI do Brasil como pastor, professor e líder, declarar: “Eu amo a IPI do Brasil”?

É um gesto e uma atitude de reconhecimento pelo que essa igreja fez por mim, desde minha infância e adolescência. A começar pela minha origem, simples, humilde, proveniente da periferia da cidade, a 1ª IPI de Aracaju me possibilitou crescimento e desenvolvimento. Devo a essa igreja minha cidadania como “homem”, digno, civilizado, respeitoso e respeitado na sociedade, com acesso ao mundo do conhecimento e de oportunidades de trabalho, com liberdade para “pensar com a minha cabeça”. 

 

Como a sua experiência como presidente da Assembleia Geral e capelão da FATIPI moldou a sua visão sobre os desafios da IPI do Brasil ao longo dos anos?

Minha experiência como presidente da Assembleia Geral da IPI do Brasil foi o resultado de anos de luta e trabalho por transformações na igreja e na sociedade, com esperança por um novo porvir. 

Quando jovem, com 16 anos de idade e como líder da UMPI (União da Mocidade Presbiteriana Independente) na 1ª IPI de Aracaju, participei do 1º Congresso da Federação da Mocidade, em Recife, e voltei encantado e desafiado a lutar pelo nosso espaço, como igreja, na sociedade, num contexto de subdesenvolvimento no Nordeste. Despertei para o desafio de pensar que as mudanças para melhor devem começar a partir de nossa realidade e do lugar onde estamos, com o desejo ardente de ser “sal da terra” para que o mundo conheça a graça do Evangelho de Jesus. 

Ao voltar para a minha igreja local, comecei a ver as necessidades de nossa comunidade. E vi, entre outras, a situação de grande número de idosos naquela comunidade que não sabiam ler nem escrever. Carregavam a Bíblia debaixo do braço, mas eram analfabetos. 

Ao compartilhar essa nova visão da realidade e a necessidade de aceitar desafios, criamos uma escola de alfabetização na igreja, “sem dinheiro e sem preço” (Is 55. 1) e, como jovens, começamos a compartilhar nosso saber com aproximadamente 30 idosos analfabetos. 

Não lamentamos por não ter dinheiro! Cada jovem ofereceu o que tinha. Em pouco tempo, vimos muitos idosos felizes, lendo e usando sua Bíblia de maneira alegre e festiva. 

Experiências assim, foram muitas durante minha juventude na 1ª IPI de Aracaju. Aquela igreja foi uma escola para experiências de vida cristã bem-sucedidas. 

Com os estudos teológicos e experiências compartilhadas entre colegas de curso em nosso Seminário, em São Paulo, pouco a pouco, fui desafiado a pôr em prática no ministério pastoral os sonhos de uma igreja relevante, voltada para uma prática religiosa que vá além de projetos de vida, sonhados, mas nunca realizados. 

E Deus me proporcionou muitas oportunidades, com visão holística, de trabalhar e lutar por uma igreja realmente que seja “sal da terra” e “luz do mundo”. 

Embora tenha enfrentado um tempo difícil com falta de recursos ideais para o nosso trabalho à frente da Igreja Nacional, ainda nos foi possível ver em ação alguns projetos práticos, realizados “sem dinheiro e sem preço”, ou quase sem dinheiro, tais como: 

  • Projeto Natanael (cada um ganha mais um para o Reino de Deus); 
  • Projeto Pequenas Igrejas Grandes Ministérios (quando igrejas grandes ajudavam as igrejas pequenas em suas dificuldades); 
  • Projeto de extensão dos cursos de Teologia (em Brasília, Manaus e Rio de Janeiro); 
  • Atualização do Projeto Betel (com a construção das Casas-Lares, em Sorocaba); 
  • Aquisição, através da Fundação Eduardo Carlos Pereira, do prédio para a sede atual do Seminário, na Rua Genebra, 180), entre outros. 

 

Essa visão mais pragmática resultou, portanto, de vivências do tempo de juventude na igreja local, das experiências com estudos teológicos contextualizados diante das demandas da realidade social e do ministério pastoral que comecei a desenvolver a partir do trabalho pastoral no Rio Grande do Norte, na igreja e na sociedade, numa região carente e necessitada do evangelho de Cristo.

 

E Sobre a questão da influência do trabalho de capelania? 

Essa atividade, desenvolvida na FATIPI, resultou das experiências adquiridas ao longo dos 46 anos de trabalho na educação teológica e dos frequentes contatos com estudantes provenientes de várias regiões do Brasil e até do exterior. 

Valeu muito, primeiramente, minha experiência de vida nos tempos de seminarista no Seminário de São Paulo (5 anos), agregado ao tempo como professor e diretor desse Seminário (18 anos). 

Nesse contexto, aprendi a ouvir e escutar os clamores de quem não tinha voz, em meio aos diversos tipos de sofrimento (longe da família, poucos recursos financeiros, novas experiências culturais e necessidade de adaptação, nova experiência acadêmica, falta de perspectivas em relação ao ministério com igrejas ou missão, solidão, saudades!). 

Muitas dessas experiências, que vivi e continuam marcando a vida dos candidatos ao ministério na atualidade, nos levou a um aprendizado permanente. Com essa visão, procurei atender, dentro do possível, às demandas desses estudantes. 

Indo mais além, entendendo que o trabalho de capelania não se limita apenas a estudantes, mas também a colaboradores que atuam na FATIPI, pude concluir que, tanto quanto possível, era necessário compreender as limitações e possibilidades e ajudar cada um a compreender-se exercício de sua função.     

 

Olhando para a sua trajetória como educador, tanto na igreja quanto em escolas públicas, que valores da IPI do Brasil o senhor acredita que mais contribuíram para a formação de líderes e cidadãos?

Primeiramente, acreditar na existência de Deus como um poder superior, que está acima de todo o ser humano, instituições ou sistemas filosóficos, políticos ou religiosos. Isso aprendi nas Escolas Dominicais que frequentei. 

Consequentemente, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo, como Jesus nos ensinou; ser humilde, sempre aberto a novos conhecimentos (seguindo a premissa de Sócrates: “Sou sábio, porque sei que nada sei”.); enfim, priorizar os valores do espírito, que são permanentes (amor, justiça, paz, harmonia, solidariedade, mansidão, liberdade, entre outros).

 

Como a psicanálise, com sua ênfase na escuta e na compreensão humana, influencia a sua prática pastoral e o seu amor pela igreja?

Apesar das críticas, desconfianças e preconceitos em relação a psicanálise, vejo-a como uma ferramenta extraordinária para o trabalho pastoral. Principalmente quando conseguimos trabalhar com uma abordagem humanista. 

Ela tem sido útil quando estamos diante de situações existenciais complexas, que envolvem inclusive, a espiritualidade, nesse tempo pós-moderno. 

Concordo com Oskar Pfister, um pastor luterano, suíço, pedagogo, também psicanalista, amigo íntimo e crítico de Freud, que considerou de maneira positiva a opinião freudiana, quando este afirmou que “A psicanálise em si não é religiosa nem antirreligiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o religioso como o laico poderão servir-se, desde que aconteça tão-somente a serviço da libertação dos sofredores” (Cartas de Freud a Pfister). 

O próprio Pfister via a teologia protestante em relação a psicanálise, com aspectos coincidentes na concepção do ser humano e, de igual modo, considerava a psicanálise uma ferramenta a serviço da cura de almas. 

O próprio Schleiermacher, filósofo e teólogo luterano, considerava que Freud é, para Pfister, “o bom samaritano que tratou a humanidade ferida com muito mais amor que os teólogos”. 

Estas impressões e muitas outras, têm sido marcantes para o ministério pastoral, como cura de almas num tempo de crises existenciais.

 

O senhor acompanhou diferentes gerações dentro da IPI do Brasil. Na sua opinião, o que a igreja tem feito para se manter relevante em um Brasil em constante transformação?

A ênfase em missões tem sido relevante. Entendo, porém, que poderia ser maior. As demandas do nosso tempo nos desafiam a projetos mais arrojados no momento. Somos uma sociedade enferma, com já dizia Erich Fromm, no século passado. Não podemos nos contentar, apenas, com a plantação de novas igrejas para a frequência de novos crentes num determinado lugar. Precisamos pensar melhor no casamento da missão com a prática da diaconia. Missão e diaconia devem caminhar juntas em nossos projetos. 

Talvez nos falte um pouco mais de criatividade para um trabalho mais abrangente e prático, mesmo “sem dinheiro e sem preço”. Gosto da ênfase de David Bosch, autor de Missão Transformadora, quando afirma que “o evangelho chegou aos nossos dias pelo testemunho dos primeiros cristãos”. 

Esses testemunhos precisam ser levados a frente, de maneira arrojada, ousada, usando os meios atuais de comunicação (novas mídias), para que cumpramos a comissão que Cristo nos deu, levando o seu evangelho a todas as criaturas, de todas as culturas, em todas as nações. Necessariamente não teríamos que gastar recursos financeiros, nem   enviar pessoas, fisicamente, a lugares distantes. 

 

Fale um pouco do projeto de evangelização, criado pelo senhor, chamado “Encontro com a Esperança”.

Esse projeto nasceu em meu coração quando trabalhava como locutor de rádio, com 16 anos, na Rádio Jornal de Sergipe. Pensando na evangelização através de programas de rádio, “sem dinheiro e sem preço”, a princípio, de maneira ousada, propus à direção dessa emissora, a realização de um programa de 5 minutos, diariamente, às 7 horas, com o nome “Meditação”, no mesmo formato do programa diário do Rev José Borges dos Santos Júnior (Meditação no Jardim das Oliveiras). 

Em seguida, encontrei uma brecha de 15 minutos, na grade do domingo de manhã, às 8 horas, para um segundo programa, “Suave Convite”. 

Gostei da experiência, graças aos resultados alcançados, com vários ouvintes que ligavam para mim para opiniões, pedidos de oração e cópias das mensagens apresentadas. 

No começo de 1965, com a minha vinda para São Paulo para a formação teológica no seminário de nossa igreja, deixei para trás os programas, mas o sonho de evangelização pelo rádio continuou. 

Depois de anos de ministério aqui em São Paulo, criei o Projeto Encontro com a Esperança que incluía: criação e apresentação de programas de rádio; gravação em Compact Discs (CDs) para multiplicar esses programas em cidades onde tínhamos IPIs que se dispusessem a bancar numa emissora de rádio local, com duração de 5, 15 ou 30 minutos (chegamos a ter em média 40 a 50 programas semanais, em diversas cidades do Brasil); publicação em livro das mensagens radiofônicas (foram publicados 3 livros de mensagens, cada um com mais de 200 páginas); gravação de um CD com as 10 mensagens mais solicitadas nesses programas (edição de 1.000 CDs); criação do site Encontro com a Esperança, com mensagens radiofônicas e escritas. 

O dinheiro arrecadado com a venda dos três livros, cada um com mais de 70 mensagens, era utilizado para o aluguel de estúdios de gravação (embora também contasse com a ajuda de irmãos e amigos que cediam seus estúdios de gravação como colaboradores do projeto). 

 

Quais foram os resultados desse Projeto? 

Os programas de rádio chegaram a penitenciárias (PCC, em Avaré, por exemplo), pessoas desesperadas no caminho do suicídio, famílias em crises, idosos, jovens viciados, hospitais, imigrantes em processo de depressão (nos Estados Unidos, por exemplo). 

Tais resultados ainda podem ser comprovados através de correspondências recebidas, com ouvintes e leitores pedindo socorro. 

Pela graça de Deus, quase que “sem dinheiro e sem preço”, o projeto tornou-se bênção para quem quis ouvir e escutar a palavra do evangelho da graça.

 

Se pudesse deixar uma mensagem para os jovens da IPI do Brasil, o que diria para inspirá-los a também amarem e se dedicarem à igreja?

Acreditem em Deus e em seu poder e amor para conosco. Não se deixem levar pelas ilusões nem pelo amor aos valores efêmeros e superficiais desta vida (fama, beleza, poder material, riqueza, mentira, ganância, dentre outros). Amem a verdade, o conhecimento, a liberdade, a vida de fé e esperança.

 

Ouça a entrevista na íntegra

 

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