Existem inúmeras explicações sobre como será o fim dos tempos. Alguém, em tom de brincadeira, já disse que há 666 interpretações diferentes do Apocalipse. Apesar do exagero, é fato que, ao longo da história da igreja, diversas correntes surgiram tentando compreender os textos apocalípticos da Escritura — especialmente os mais difíceis, como o livro de Apocalipse.
Podemos destacar quatro principais sistemas escatológicos, ou linhas interpretativas, que tentam organizar a cronologia e o significado dos eventos finais: o pré-milenismo histórico, o amilenismo, o pós-milenismo e o pré-milenismo dispensacionalista.
No texto do próximo mês, pretendemos apresentar cada uma dessas escolas. Hoje, queremos voltar ao ponto de partida: como surgiram essas divergências de interpretação?
Nos primeiros séculos, a igreja caminhava com os ensinos que havia recebido diretamente do Senhor e de seus apóstolos. Esses ensinamentos ainda estavam frescos e, de modo geral, a fé cristã mantinha-se simples e clara.
Documentos antigos como a Didaquê e os primeiros credos da igreja nos mostram essa fé comum. De modo resumido, os cristãos criam que Cristo já estava assentado à direita de Deus Pai, de onde um dia viria para julgar vivos e mortos. Antes disso, haveria um período de tribulação, seguido pela volta visível de Cristo e pela ressurreição dos mortos.
A primeira grande divergência de opinião surgiu em torno de um tema específico: o milênio, mencionado em Apocalipse capítulo 20. O texto fala de um reinado de mil anos. Mas o que significaria esse período? Seria um milênio literal e terreno, ou apenas simbólico e espiritual?
A resposta a essa pergunta se tornaria o ponto de partida para as diferentes interpretações escatológicas que temos até hoje.
A ideia de um milênio literal
Essa interpretação foi adotada por notáveis pais da Igreja, como Papias (século II), Justino Mártir (100–165 d.C.), Irineu de Lião (130–202 d.C.) e Tertuliano (160–240 d.C.).
No entanto, é importante lembrar que essa mesma expectativa também era partilhada por figuras consideradas heréticas, como o gnóstico Cerinto (século II) e Montano (séculos II–III), fundador de um movimento profético que promovia um ascetismo rigoroso e pregava a iminente volta de Cristo na região da Frígia (atual Turquia).
Um dado curioso sobre os pais da igreja que defendiam um milênio literal é que muitos deles criam que ele só se iniciaria após seis mil anos literais desde a criação do mundo, seguindo uma simbologia baseada na semana da criação (seis dias de trabalho e o sétimo de descanso, equivalente ao milênio).
Justino Mártir, por exemplo, via no milênio literal um ponto de contato com os judeus com os quais dialogava sobre a fé cristã. Segundo ele, tanto judeus quanto cristãos criam que os justos herdariam a Terra Prometida — mas, para os cristãos que acreditavam no milênio literal, esse cumprimento ocorreria durante o reinado milenar de Cristo.
Essa visão nunca foi oficialmente adotada pela igreja antiga como doutrina consensual. Com o tempo, perdeu força diante do crescimento do conceito de milênio simbólico e espiritual.

O conceito do milênio não-literal
Essa ideia escatológica não nega a existência do milênio. O que ela propõe é que o milênio descrito em Apocalipse 20 deve ser interpretado simbolicamente, como um reinado espiritual de Cristo já em curso, inaugurado em sua primeira vinda. Em outras palavras, já estamos vivendo o milênio — não como um período literal de mil anos, mas como a era atual, entre a ascensão de Cristo e sua volta gloriosa.
A ideia de um milênio espiritual já iniciado é bastante antiga na história da igreja. Quando Justino Mártir escreveu defendendo sua posição do milênio literal, ele reconheceu que muitos cristãos de sua época pensavam de forma diferente.
De fato, a interpretação espiritual do milênio era defendida por diversos pais da igreja, como Clemente de Alexandria (150–215 d.C.), Cipriano de Cartago (200–258 d.C.), Caio de Roma (séculos II–III).
Nos primeiros séculos, as duas posições a respeito do milênio coexistiam no seio da igreja, até que os escritos de Agostinho de Hipona (354–430 d.C.) exerceram influência decisiva. Agostinho, que inicialmente tendia ao milênio literal, mudou de posição e passou a interpretar o milênio de forma espiritual. Sua teologia escatológica, especialmente exposta na obra A Cidade de Deus, acabou por moldar o pensamento da igreja ocidental, que passou a adotar oficialmente o amilenismo como interpretação predominante por muitos séculos.
O que vem depois?
Até aqui, exploramos os dois conceitos fundamentais que sustentam as diferentes abordagens escatológicas ao longo da história da igreja.
No próximo mês, vamos nos aprofundar nas quatro principais linhas interpretativas, destacando suas principais características, diferenças teológicas e implicações práticas para a fé cristã.







