O Brincar como linguagem da infância

A adultização rouba o tempo do brincar, mata a espontaneidade e destrói a vitalidade da criança

Vivemos recentemente o pulsar de um tema sensível: a adultização das crianças. A presença constante desse assunto nas discussões recentes trouxe dados alarmantes e revelou um perigo que, embora já estivesse presente antes mesmo das denúncias, agora se mostra de forma ainda mais urgente. Não podemos ignorar: nossas crianças têm sido pressionadas a deixar de ser crianças cedo demais.

No entanto, a minha intenção ao abrir a coluna deste mês, cujo ponto de partida é a vida, não é repetir esses alertas, ainda que necessários, mas refletir sobre quais sinais partem da própria criança e nos revelam, sem palavras, se tudo está bem ou não. E, mais do que isso, pensar qual é o antídoto para este momento que vivemos. Esse antídoto vem de Jesus e do seu constante diálogo com as infâncias. Ele mesmo nos disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10.10).

Uma das formas mais evidentes de observar como está a situação da criança é perceber sua atitude de brincar. No brincar, a criança expressa vitalidade e sua imaginação abre caminhos para a criatividade e para a elaboração das experiências. A criança não brinca apenas para passar o tempo, mas para processar a vida.

Pesquisas na área da educação mostram que o brincar é um espaço simbólico no qual a criança experimenta e ressignifica o mundo. É também uma linguagem própria da infância, por meio da qual expressa sentimentos, elabora experiências e constrói vínculos. Quando brinca, a criança se conecta consigo mesma, com o outro e – por que não? – com Deus?

Onde Deus brinca com a gente

Uma das minhas maiores alegrias no ministério foi presenciar, numa das atividades de férias em nossa igreja, uma cena simples, mas profunda. Num painel de pintura preparado para as crianças, uma delas, visitante pela primeira vez em nosso espaço, pintou a frase: “HUB, onde Deus brinca com a gente.” Aquela mensagem estampada revelou o que sempre buscamos: “ser um ambiente onde a fé das crianças floresça de maneira orgânica, criativa e acolhedora”.

Na minha infância, brincar na igreja era quase impensável. Mesmo assim, nos divertíamos às escondidas. Quando éramos descobertos, as broncas vinham e éramos obrigados a permanecer quietos, com os corpos imóveis em cultos de longa duração. Será mesmo essa a relação que gostaríamos que as crianças tivessem com a igreja local?

Jesus, ao afirmar que veio para nos dar vida em abundância, contrasta sua missão com a do ladrão, que vem para roubar, matar e destruir (Jo 10.10). Quando penso nesse texto à luz da infância, percebo como a adultização rouba o tempo do brincar, mata a espontaneidade e destrói a vitalidade da criança. Em contrapartida, o brincar preservado é sinal de vida abundante.

Por isso, a preservação da infância passa pelo brincar. Aos pais que me leem, digo: observem, brinquem e multipliquem as oportunidades para que as crianças simplesmente sejam crianças. Às igrejas e pastores, lanço um desafio: criem espaços e atividades em que a criança transborde sua linguagem maior, o brincar (e não falo de um brincar dirigido ou instrumentalizado, mas livre, espontâneo e profundamente conectado ao Pai).

Se quisermos ser comunidades que proclamam vida abundante, precisamos aprender com as crianças a linguagem da ludicidade. O brincar é resistência ao roubo da infância, é cuidado com o coração da criança e é também discipulado – porque ensina confiança, alegria e liberdade diante de Deus.

Que o Senhor nos use para criar ambientes onde brincar seja sinônimo de viver. Ambientes onde as crianças encontrem espaço para rir, inventar, pular, imaginar e descansar. Pois, quando preservamos a infância, testemunhamos de forma concreta que Jesus continua sendo o Bom Pastor que nos conduz à vida plena.

Foto de Revª Tabta Rosa de Oliveira

Revª Tabta Rosa de Oliveira

Pastora da IPI Morumbi, Sorocaba, SP, e Coordenadora Nacional de Crianças da IPI do Brasil

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