A IPI do Brasil se volta para uma de suas expressões mais visíveis e significativas: a liturgia. Mas pastores, liturgistas e comunidades questionam: é possível inovar sem romper com a identidade reformada?
Atualização sem ruptura
Na IPI de Jaraguá do Sul, SC, o Presb. Paulo Roberto Balbino resume o espírito da reforma contínua que move a tradição litúrgica da denominação: “Uma liturgia reformada é aquela que dialoga com o meio em que está inserida, é cristocêntrica, mas traz ensinamentos eficazes para a vida em comunidade”. Em sua visão, mudanças são bem-vindas, desde que mantenham a centralidade de Cristo e o compromisso com o ensino bíblico. “Não podemos ficar reféns do passado. Liturgia é celebração, comunicação, ensino. É reconhecer que Cristo está vivo e está perto de cada um de nós”.
Esse movimento de atualização sem ruptura tem ganhado corpo nas últimas décadas, especialmente com o avanço da tecnologia, a diversificação de públicos e o crescente protagonismo de novos ministérios. Na 1ª IPI de Campo Grande, MS, por exemplo, a iluminação cênica passou a compor o culto como elemento sensorial que favorece a reverência. “Luzes suaves, cores quentes e variações de intensidade ajudam a conduzir os sentimentos da congregação”, afirma o pastor Wagner Ishii. Para ele, estética e tradição podem dialogar desde que a “genética do culto” — a centralidade de Cristo, a proclamação da Palavra e a vida comunitária — permaneça intacta. “Mude sempre a estética, mas nunca a genética”, resume ao explicar as mudanças implementadas em sua comunidade.

Essa tensão criativa entre forma e essência é um dos pilares da tradição reformada. Segundo o Rev. Silas Oliveira, professor de Teologia Prática na FATIPI, o culto reformado é composto por partes essenciais e bem definidas: adoração, confissão, louvor, intercessão, proclamação e envio. “Quando se enfatiza uma em detrimento das outras, empobrece-se a experiência litúrgica. Podemos mudar a forma, mas nunca a essência”, adverte. O professor Silas lembra ainda que a herança reformada brasileira nasceu nos cultos domésticos — quando ainda não era permitido celebrar em templos — e só mais tarde ganhou forma litúrgica mais estruturada.
Três dimensões da liturgia
O desafio litúrgico passa pela formação das lideranças. O Manual de Culto da IPI do Brasil, que chega à sua terceira edição, pela Editora Vida&Caminho, é uma das ferramentas que ajudam a preservar a coerência e a riqueza litúrgica da denominação. O Rev. Vagner Rodrigues Moraes, secretário de música e liturgia da IPI do Brasil, destaca que essa identidade se expressa em três dimensões: a centralidade da Palavra, a organização do culto e o enraizamento em uma tradição litúrgica sólida. “Somos uma igreja intelectual, que preza pelo estudo e pela qualidade da pregação. Não devemos pregar de qualquer maneira”, afirma.
Essa perspectiva não impede o uso de novas linguagens — ao contrário, exige sensibilidade pastoral. Para o Rev. Vagner, inovação não é sinônimo de espetáculo: “É possível inovar por meio da simplicidade. A liturgia pode ser mais enxuta, a mensagem mais direta, as músicas tradicionais rearranjadas. Crianças podem participar com leituras e cânticos. O culto não deve ser um show, mas um encontro com o Deus vivo.” Segundo ele, igrejas que dedicam mais tempo a cânticos e avisos, deixando poucos minutos para a Palavra, “perderam sua identidade presbiteriana”.

A música, aliás, é um dos pontos em que tradição e contemporaneidade mais se encontram. O próprio hinário Cantai Todos os Povos já reflete esse diálogo, combinando hinos históricos e composições mais recentes. “As músicas contemporâneas falam a linguagem da cultura atual, enquanto os hinos nos conectam com a herança espiritual”, afirma o Rev. Wagner Ishii. Segundo ele, o equilíbrio entre os dois repertórios ajuda a formar uma fé sólida e sensível.
Forma e essência
Do ponto de vista teológico, a inovação litúrgica é legítima quando enraizada na Palavra e orientada pelo discernimento pastoral. “Forma e essência são conceitos distintos, mas interligados”, ensina o Rev. Vagner Moraes. “A forma pode mudar ao longo da história, desde que a essência seja preservada. Isso exige conhecer o contexto da comunidade e aplicar aquilo que trará edificação.”

As respostas da comunidade local também variam. Enquanto os mais antigos demonstram certo saudosismo em relação a formatos mais tradicionais, outros — especialmente jovens e famílias — sentem-se acolhidos por linguagens mais atuais. “A tensão geracional existe, mas se dissolve quando todos se encontram na pessoa de Cristo”, conclui o Rev. Wagner Ishii.
Ao final, a liturgia reformada da IPI do Brasil se revela não como uma armadura rígida, mas como um corpo vivo, que respira o Espírito e a história, o evangelho e o tempo presente. A forma pode mudar, mas a essência permanece: “Podemos ser atuais sem renunciarmos aos nossos princípios, valores e, acima de tudo, à Palavra de Deus”, conclui o secretário de Música e Liturgia, Rev. Vagner.
O que caracteriza a liturgia presbiteriana independente?
- Centralidade da Palavra
- Preparo teológico da pregação
- Ordem e organização no culto
- Participação comunitária
- Uso equilibrado da tradição e da inovação
- Fidelidade aos princípios reformados (expressos nos Cinco Solas e nos símbolos de fé reformados)







