Uma liturgia para a vida

As liturgias são linguagens de quem somos e de como adoramos ao Senhor. Mas como colocá-las em prática numa sociedade pós-moderna, pós-pandêmica, globalizada, excessivamente conectada e caminhando cada vez mais para o virtual e o digital?

Conversamos com o Rev. Vagner Rodrigues Moraes, secretário de música e liturgia da IPI do Brasil, pastor da IPI Maranata, Campo Grande, MS, sobre tudo isso. Confira a entrevista a seguir.

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De que forma a liturgia comunica (ou pode comunicar melhor) a identidade presbiteriana hoje?

Quando falamos em “identidade presbiteriana”, pelo menos três detalhes precisam vir à nossa mente.

Primeiro, temos a ênfase na Palavra. Sabemos que estamos numa Igreja Presbiteriana quando a pregação da Palavra de Deus ocupa, ao menos, metade do tempo de culto. Ou seja, se o culto possui uma hora de duração, trinta minutos devem ser dedicados à explanação da Palavra. Não é admissível dedicarmos pouco espaço de tempo para que a Bíblia seja exposta e aplicada nas nossas vidas. Igrejas que dedicam mais tempo para os cânticos congregacionais e avisos e deixa poucos minutos para que a Palavra seja anunciada, perdeu a sua identidade presbiteriana. Além da questão do tempo, existe também a qualidade da pregação. Esta é uma das nossas qualidades e características fundamentais: somos uma igreja intelectual, que preza pelo estudo, pelo preparo exaustivo dos sermões, do ensino. Não devemos oferecer qualquer conteúdo, não devemos pregar de qualquer maneira.

Segundo, temos a ênfase na organização. Tudo tem o seu tempo e o seu lugar. Há o lugar para os pastores se assentarem, para os presbíteros se assentarem por ocasião da Ceia. Há o lugar dedicado para a Mesa da Comunhão, para o Púlpito, para o Coral, para a Equipe de Louvor. Por menor que seja a Igreja e a sua estrutura, tudo é funcional e organizado. Além disso, possuímos uma dinâmica, uma ordem em nossa liturgia. Das igrejas mais tradicionais às mais contemporâneas, os nossos cultos têm horário para começar e para acabar. Não há surpresas! Há espaço para os cânticos, para a Palavra, para a celebração dos sacramentos para os avisos, para participações especiais através de solos ou corais. Tudo funciona (ou, ao menos deve funcionar) de forma muito organizada.

Terceiro, somos herdeiros de uma tradição litúrgica riquíssima. Para nós, presbiterianos independentes, é um grande privilégio, termos em mãos o nosso Manual do Culto que chega, neste ano, à sua terceira edição. Ao utilizarmos os recursos disponíveis em nosso Manual perpetuamos a nossa identidade presbiteriana. Temos ciência de que em algumas igrejas existe uma liturgia mais tradicional, formal, enquanto em outras igrejas a liturgia é mais informal. Independentemente da nossa forma particular de conduzir à igreja que o Senhor nos designou como pastores, podemos utilizar o Manual do Culto principalmente em datas e ocasiões especiais. Existem datas importantes em nosso calendário cristão e existem liturgias e recursos belíssimos à nossa disposição no Manual.

Para mim, estes três detalhes são fundamentais e nos identificam como presbiterianos e independentes.

 

É possível inovar sem secularizar? Como a tradição pode ser criativamente reinterpretada?

Para falar sobre inovação, precisamos ter bem claro diante de nós o conceito filosófico sobre “forma” e “essência”. Forma e essência são conceitos distintos, mas, ao mesmo tempo, estão ligados. Quando falamos em forma nos referimos à estrutura, à organização, enquanto a essência está relacionada à natureza, às características do ser, ao propósito da sua existência. A forma da igreja pode e deve variar ao longo da história, levando sempre em consideração o contexto em que a igreja está inserida, mas sem perder a sua essência, o seu propósito de vida.

Estamos em 2025, em meio a uma sociedade pós-moderna e pós-pandêmica, em meio à um mundo globalizado, excessivamente conectado e caminhando cada vez mais para o virtual e o digital, onde as pessoas vivem aceleradas, com tempo escasso, com os olhos grudados em telas.

Como responder a essa geração e a esse mundo?

Temos muita coisa bela em nossa tradição reformada e uma riqueza litúrgica sem precedentes em nossa história. Mas precisamos ser sensíveis às mudanças deste mundo. Não basta ter uma excelente mesa de som, equipamentos musicais de última geração, um belo telão de led, câmeras meticulosamente posicionadas para captar os melhores ângulos para a transmissão senão soubermos dialogar e corresponder às expectativas das pessoas que congregam conosco e nos assistem semanalmente.

Por mais que a tecnologia tenha trazido inúmeros avanços, possibilitando que as nossas igrejas se comunicassem com qualquer lugar do mundo, essa mesma tecnologia nos coloca em contato com coisas ruins. Há muito material de qualidade disponível na internet, mas há muito material que não deveria ser consumido por nós, inclusive no ambiente religioso.

Desta maneira, devemos inovar. Mas parto do princípio de que é possível inovar através da simplicidade, onde “o menos é mais”.

Como líderes, precisamos ler qual é o contexto que a nossa igreja está inserida, a nossa realidade e aplicar na nossa comunidade aquilo que é viável e que trará resultados.

“Minha igreja é central ou de bairro? Minha igreja é composta de qual classe social? Quais as faixas etárias que disponho? Que público quero alcançar? Qual é a história da igreja? É uma comunidade nova ou histórica? Tradicional em seu estilo ou contemporânea? Aberta ou fechada?”. Através de perguntas como essas, conseguimos entender um pouco melhor o contexto em que estamos inseridos e passamos a olhar para o futuro com a intenção de fazermos um bom planejamento.

Olhando para o nosso contexto, grosso modo, a liturgia pode ser mais enxuta e objetiva, com poucos elementos, mas que sejam essenciais. Hinos tradicionais e cânticos consagrados podem ser rearranjados, adaptados pelas equipes de música. Novas canções podem ter suas letras analisadas e/ou adaptadas e serem ensinadas. Além das músicas clássicas e já consagradas, há muito material novo e de qualidade sendo publicado ano após ano destinado a corais, que podem atrair a nova geração e perpetuar a presença dos corais em nossas igrejas e em nossas liturgias. As crianças podem e devem ter a sua participação nos cultos, lendo trechos da Palavra, apresentando canções ao Senhor. A mensagem pregada pode ser mais dinâmica, utilizando-se de recursos de mídia e de temas atuais. Por meio da Palavra, podemos trazer respostas às mais angustiantes perguntas e situações do nosso tempo.

O fato de sermos uma Igreja reformada, tradicional e histórica não pode nos engessar e amarrar nossas mãos, pés, mentes e corações. Podemos ser atuais sem renunciarmos aos nossos princípios, valores e, acima de tudo, à Palavra de Deus.

 

Que conselhos você daria a líderes locais diante do desafio de manter a identidade em meio à diversidade de estilos?

Eu diria: “Não ceda à pressão do mundo, não ceda à pressão da moda, não ceda à pressão de alguns membros de sua igreja”. Nem tudo o que o mundo nos oferece é bom, por mais que a sua aparência pode ser boa. Nem tudo o que outras igrejas estão fazendo é saudável e trará bons resultados. Chega de copiarmos o que os outros estão fazendo. Não é porque está dando certo em determinado lugar que dará certo em nossa comunidade. Cada igreja é única e os líderes precisam ser sensíveis ao seu tempo, ao seu contexto e ao chamado de Deus para aquele lugar. O que Deus quer fazer em nossas igrejas pode ser completamente diferente do que Deus está querendo fazer na igreja vizinha. Chega também de sermos influenciados ou dominados por alguns grupos da igreja que querem ditar o que devemos ou não fazer, influenciados pelo que está acontecendo ao seu redor.

Por mais que haja um leque enorme de possibilidades, muitos estilos de igreja e de culto, uma variedade enorme de músicas novas sendo lançadas semanalmente, precisamos zelar pela identidade da nossa fé e da nossa igreja. Elementos novos, desde que, bíblicos, condizentes com aquilo que cremos, com a nossa teologia reformada, podem ser acrescidos aos nossos cultos.

 

Como o louvor e os elementos visuais/expressivos do culto dialogam com a tradição da igreja?

A música está completamente atrelada à Reforma Protestante. No passado, ela serviu como ferramenta para se difundir as ideias da Reforma e envolver o povo no culto, fazendo-o participar ativamente ao invés de apenas assistir ao clero. Através da música podia-se aprender o que estava escrito nas Escrituras. Hinos e cânticos passaram a ser compostos com letras baseadas em passagens bíblicas, facilitando a compreensão e a memorização da Palavra de Deus. Além disso, a música criou uma identidade forte para os protestantes, unindo as pessoas dos mais diversos segmentos em torno de uma mesma fé e prática litúrgica. A música dialoga, o tempo todo, com a tradição da igreja. Ela dialoga também com o tempo e com o momento histórico, com o contexto.

Em nossa Igreja, de forma particular, esse diálogo fica perceptível através do nosso próprio Hinário Cantai Todos os Povos. Nele, temos hinos centenários e, ao mesmo tempo, canções que foram compostas nas últimas décadas e que abençoam a nossa caminhada cristã. Além do nosso Hinário, temos uma riqueza enorme de músicas de excelente qualidade que podem fazer parte do nosso repertório, dialogando com a nosso tempo e tradição.

Com relação aos elementos visuais, não podemos nos esquecer que a linguagem do culto é toda simbólica. O nosso culto é todo visual. Por exemplo, quando temos o sacramento do batismo em nossa Igreja ou a celebração da Ceia do Senhor, através de símbolos (água, pão, vinho, pia, mesa) estamos expressando a nossa fé, a nossa tradição e precisamos, diga-se de passagem, valorizar aquilo que estamos fazendo. Em outras palavras, precisamos explorar os elementos visuais em nossas celebrações.

Antigamente, as igrejas, ao serem construídas, valorizava-se a colocação de vitrais com representações bíblicas. Através de cada figura presente nos vitrais, a narrativa bíblica estava sendo anunciada a um povo que não possuía a Bíblia em mãos ou que não sabia ler. Hoje, não temos mais vitrais em nossa igreja, mas podemos usar figuras e imagens como recursos visuais nos slides dos sermões. Podemos projetar os textos para que visitantes que não possuem a Bíblia possam acompanhar as leituras. Podemos fazer uso de apresentações teatrais, encenações ou veicularmos um trecho de algum filme para alcançar o coração e a mente das pessoas presentes, fazendo-as compreender a profundidade da Palavra.

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Foto de Rev. Vagner Rodrigues Moraes

Rev. Vagner Rodrigues Moraes

Secretário de música e liturgia da IPI do Brasil, pastor da IPI Maranata, Campo Grande, MS.

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