Igreja guiada pelo Espírito Santo

Em tempos de múltiplas vozes e influências espirituais, uma questão fundamental se apresenta às igrejas brasileiras: como discernir se estamos sendo genuinamente guiados pelo Espírito Santo...

Como distinguir uma comunidade verdadeiramente conduzida por Deus daquelas influenciadas por outras vozes

Em tempos de múltiplas vozes e influências espirituais, uma questão fundamental se apresenta às igrejas brasileiras: como discernir se estamos sendo genuinamente guiados pelo Espírito Santo ou por outras influências – sejam ideológicas, culturais ou místicas? A reflexão ganha urgência especial quando observamos comunidades que, mesmo proclamando seguir a Cristo, parecem conduzidas por agendas que pouco têm a ver com o evangelho.

 

Fundamentos: O que significa ser guiado pelo Espírito Santo?

Para compreender os sinais de uma igreja autenticamente espiritual, entrevistamos os Revs. Valdir Reis (pastor da Closer to God Evangelical Presbyterian Church, Kearny-NJ, que realiza visitação às prisões em diversos locais), Eduardo Henrique Chagas (pastor da IPI Catanduva, SP) e Alessandro Ritcher (pastor da 1ª IPI de Avaré, SP, e membro do Conselho de Administração da Editora Vida&Caminho), além de reflexões baseadas na obra “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo”, de John Stott.

“Se de fato o Espírito Santo nos guia, ele o faz de acordo com as Escrituras e nunca de maneira contrária a elas”, lembra o Rev. Valdir, citando o evangelista George Müller. 

É preciso retornar às Escrituras. “Veja a igreja de Antioquia, descrita em Atos 11.19-30 e 13.1-3, que é um modelo bíblico de comunidade guiada pelo Espírito Santo”, explica o pastor. “Ela realiza a missão de Deus com convicção clara de que tem esse dever santo.” 

Segundo o pastor, cinco características marcam essa autenticidade espiritual: evangelização ativa, ensino consistente da Palavra, cuidado com os necessitados, envio missionário e liderança cheia do Espírito Santo.

A Igreja de Antioquia não apenas evangelizou (At 11.19-30), mas também ensinou sistematicamente aos novos convertidos, estendeu a mão aos pobres durante a fome que assolou a região, enviou missionários para outras regiões (At 13.1-3) e encontrou líderes cheios do Espírito Santo, como Barnabé, que “era homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé”.

 

Os perigos das vozes confusas

Mas o que pode levar uma igreja a confundir outras “vozes” com a do Espírito Santo? Para o Rev. Eduardo Chagas, o problema tem raízes bíblicas e psicológicas profundas.

“A Bíblia nos adverte contra a nossa tendência natural de procurar quem só diga aquilo que nós queremos ouvir”, observa o Rev. Eduardo, citando 2 Timóteo 4.3. “Secularmente isso também tem um nome: ‘viés de confirmação’. É um problema que aflige o povo de Deus desde o Antigo Testamento, quando muitos falsos profetas se levantavam, anunciando ‘profecias’ favoráveis para se tornarem famosos e populares”.

O Rev. Valdir complementa essa análise apontando para “a ausência de estudo sério e humilde da Palavra de Deus” como fator principal que leva líderes a escutarem “vozes que não vêm do Espírito de Deus e sim do ‘espírito’ da época”.

Para ele, é preciso uma “volta prática, humilde e quebrantada para a Escritura”, que funciona como “o prumo, a baliza e o norte para a igreja em qualquer época”. 

Sem esse fundamento sólido, as comunidades ficam vulneráveis a diversos “ismos” nocivos: “extremismo, liberalismo, fundamentalismo, etnocentrismo, ceticismo, estrelismo ou egocentrismo que tentam sobrepor os pensamentos, tantas vezes meramente humanos, aos sólidos ensinos da Palavra de Deus”.

Como, então, discernir se práticas espirituais aparentemente poderosas e populares realmente procedem de Deus? 

O Rev. Eduardo oferece critérios práticos baseados na tradição reformada: “Práticas verdadeiramente espirituais jamais entrarão em conflito com os principais meios de graça dados por Jesus para a edificação e fortalecimento da sua igreja – a oração, a Palavra (lida, cantada e pregada) e os Sacramentos”, explica o pastor, referenciando a Confissão de Fé de Westminster.

Chagas também enfatiza a importância de observar os frutos: “Se os frutos que essas práticas produzem atentam contra a unidade, a paz e a pureza da igreja, ainda que dando mostras de ‘poder’ e grandes resultados, não podem proceder do Espírito de Deus”.

O Rev. Alessandro Ritcher acrescenta uma dimensão relacional fundamental ao discernimento espiritual. Baseando-se em João 10, ele explica que “a ovelha que ouve o seu pastor sabe discernir as outras ‘vozes’ da voz do Espírito Santo”.

“Quando a igreja começa a dar ouvidos a outras vozes, no anseio de saciar suas buscas, é porque ela deixou de buscar a voz do Espírito na oração, devoção, conexão com Deus”, observa o Rev. Alessandro. “A igreja que está conectada ao seu pastor rejeita as vozes estranhas e reconhece a voz do Espírito Santo.”

 

O REV. VALDIR MANTÉM UM MINISTÉRIO DE VISITA A PRESÍDIOS PARA PROCLAMAÇÃO DO EVANGELHO E DOAÇÃO DO SEU LIVRO “PRISIONEIROS MAIS PERTO DE DEUS”

 

O problema das práticas emocionais

Um desafio particular do cenário religioso contemporâneo são as práticas espirituais que geram forte impacto emocional, mas produzem pouca transformação duradoura. 

O Rev. Alessandro identifica essa questão como crítica. “Muitas práticas consideradas espirituais estão envolvidas pela emoção; por isso, infelizmente, hoje vemos os dons do Espírito Santo sendo usados ou manifestados de forma pejorativa, porque têm sido movidos por um clímax rodeado de emoções, mas em que não se vê uma verdadeira transformação”, analisa.

O pastor aponta para um fenômeno preocupante: “Muitas pessoas passam por experiências profundas na prática espiritual somente em um encontro, culto, reunião, mas saem do ambiente e as coisas parecem que não mudam, e isso acaba não tendo sentido nenhum, pois não frutifica”.

A solução está no critério bíblico dos frutos: “Se há práticas espirituais, e as mesmas sendo bíblicas, certamente trarão mudança de vida, certamente irão apresentar o fruto do Espírito, e não haverá confusão e escândalo na Igreja de Cristo,” afirma o Rev. Alessandro.

A reflexão teológica encontra eco na obra “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo”, de John Stott, que oferece uma perspectiva equilibrada sobre a missão da igreja. 

Segundo Stott, “o verdadeiro cristianismo na Bíblia não é uma religião escapista egoísta, quentinha, aconchegante e segura. Pelo contrário, ela mexe profundamente com a nossa segurança e garantia.”

Para o teólogo inglês, o cristianismo autêntico “é uma força explosiva e centrífuga de dentro para fora que nos arranca do nosso estreito egocentrismo e nos atira para o mundo de Deus a fim de testemunhar e servir”. Esta perspectiva desafia igrejas que se voltam apenas para o conforto interno de seus membros.

Uma igreja verdadeiramente guiada pelo Espírito Santo, portanto, não se limita a “pensar no aspecto espiritual, mas no aspecto total da vida”, desenvolvendo uma missão integral que abrange tanto salvação das almas quanto transformação social.

Características práticas da autenticidade espiritual

Com base nos fundamentos bíblicos e teológicos apresentados, é possível identificar marcas concretas de uma igreja autenticamente guiada pelo Espírito Santo:

1) Evangelização ativa e natural: A comunidade compartilha o Evangelho não por imposição, mas como fruto orgânico de sua experiência com Cristo.

2) Ensino consistente: Mantém programa sério de discipulado e educação cristã, “ensinando todo o conselho de Deus”, como destaca o Rev. Valdir Reis.

3) Cuidado social genuíno: Envolve-se com questões de justiça e necessidades práticas, especialmente dos mais vulneráveis, não por agenda ideológica, mas como expressão do amor cristão.

4) Visão missionária: Investe em plantio de igrejas e envio de missionários, compreendendo que “a tarefa está ainda inacabada”.

5) Liderança espiritual: Desenvolve líderes “cheios do Espírito Santo e de fé”, que dão espaço para outros ministérios e evitam o clericalismo.

6) Acolhimento transformador: Pratica hospitalidade radical que vai além da cordialidade, criando espaços seguros para pessoas de diferentes origens, sem relativizar verdades bíblicas.

7) Unidade na diversidade: Promove reconciliação entre diferentes grupos sociais, demonstrando o poder unificador do Evangelho.

REV. ALESSANDRO FALA SOBRE DESAFIOS DA IGREJA CONTEMPORÂNEA

 

Quais são os desafios contemporâneos?

As igrejas brasileiras enfrentam pressões específicas que testam sua autenticidade espiritual. Entre os principais desafios estão:

Polarização política: A tentação de subordinar a mensagem bíblica a agendas políticas específicas, perdendo a dimensão profética que questiona todos os sistemas humanos.

Relativização cultural: A pressão para acomodar valores culturais dominantes em nome da “relevância”, comprometendo verdades bíblicas fundamentais.

Sincretismo religioso: A incorporação de elementos de outras tradições religiosas ou práticas esotéricas, comprometendo a exclusividade de Cristo como mediador.

Busca por resultados: A tentação de medir espiritualidade por critérios numéricos ou de impacto social, perdendo de vista a fidelidade ao caráter de Cristo.

 

O caminho da autenticidade

Como, então, uma igreja pode cultivar e manter sua autenticidade espiritual? 

Os pastores entrevistados convergem para alguns pontos essenciais:

Primazia das Escrituras: É preciso se submeter à Palavra. Não a desprezar como fazem alguns, não a usar indevidamente como fazem outros.

Vida de oração: O cultivo da intimidade com Deus através da oração pessoal e comunitária como meio fundamental de discernimento espiritual.

Discernimento comunitário: A importância de processos coletivos de busca da vontade de Deus, evitando decisões baseadas apenas em impressões individuais.

Humildade e quebrantamento: “Que a humildade nos domine e nos quebrante diante de Deus, nesses tempos tão confusos”, conclama o Rev. Valdir Reis.

Foco nos frutos: A avaliação constante dos resultados práticos das atividades eclesiásticas, perguntando se realmente produzem transformação de vida e glorificam a Cristo.

REV. EDUARDO APLICA CRITÉRIOS PRÁTICOS DA TRADIÇÃO REFORMADA

Uma igreja para o século XXI

O desafio das igrejas contemporâneas não é simplesmente resistir às influências externas, mas desenvolver discernimento espiritual maduro que permita contextualização sem comprometimento, relevância sem relativização, abertura sem sincretismo.

Uma igreja verdadeiramente guiada pelo Espírito Santo torna-se “sinal antecipado do Reino de Deus”.  

Não foge do mundo nem se conforma a ele, mas o transforma através do testemunho de uma alternativa de vida baseada no Evangelho. Seus frutos – amor genuíno, justiça, paz, unidade na diversidade, cuidado integral das pessoas – evidenciam a presença ativa do Espírito Santo em seu meio.

O critério último para avaliar a autenticidade espiritual de uma comunidade cristã não são seus êxitos numéricos ou influência social, mas sua fidelidade ao caráter de Cristo. Nesta fidelidade, encontra-se tanto sua identidade quanto sua missão no mundo contemporâneo, como conclui o Rev. Valdir Reis: “Ouvir o Espírito nos ajudará a ouvir sabiamente as vozes do ‘mundo’, rejeitando-as de nos influenciar.” 

Em tempos de tantas vozes confusas, esta capacidade de discernimento torna-se não apenas desejável, mas absolutamente essencial para a igreja brasileira.

Foto de Sheila Amorim

Sheila Amorim

Membro da IPI de Cidade Patriarca, em São Paulo, SP, editora da revista Vida & Caminho, e diagramadora do jornal O Estandarte

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